quinta-feira, 18 de julho de 2013

Human Bodies – Adriano Goulart


Human Bodies – Adriano Goulart

Ontem estive na exposição “Human Bodies”. Para quem não conhece, após o texto coloco a descrição do que é esse evento.

Queria registrar o impacto que foi para mim a oportunidade de ver o trabalho minucioso feito pelos especialistas de preparar o corpo humano, nu e cru, para exibição ao grande público, em grande parte, leigos como eu, mas que acima de tudo, podem refletir sobre algumas coisas. Eis as minhas constatações:

Você já se olhou no espelho e notou algo que não era seu do outro lado do espelho, mas paradoxalmente te acompanhava em toda sua existência? Um ser estranho e completamente associado a você? Horroroso e fascinante ao mesmo tempo? Eu me senti assim quando olhei para a primeira obra-prima exposta na exibição.  Chamo de obra-prima porque não há outra palavra com as quais o significado se adeque melhor. Obra-prima do Criador. De um artista. O maior.

Nós somos uma máquina. Esplêndida! Fascinante! Absurdamente complexa. Obra de uma engenharia divina. Sem precedentes. Eram os deuses astronautas? Não sei. Mas no quesito carinho e detalhe, o Criador abusou!  Eu olhava aquele corpo aberto, dessecado. E ele olhava para mim. Não tenho ideia de quanto tempo eu olhei fixamente para o que estava em minha frente. Mais de 10 minutos provavelmente. O que eu descobria ali era novo. Porque um livro bem ilustrado, todas as aulas de biologia durante o ensino fundamental e médio que eu tive, documentários e por aí vai, não são capazes nem de perto de causar o impacto do que é se ver aberto e real bem a nossa frente. 

Os produtores do evento foram perfeitos. Acertaram em suas decisões. Porque já na antessala, a primeira bancada com órgãos humanos logo no início da exposição, nos apresentam os pés. Só o osso. Para a gente não tropeçar com as emoções durante o processo.  E quão impactante foi  conhecer de perto a anatomia do pé. Não conseguia parar de olhar. Não é estranho? Fiquei igual menino, olhando em baixo da escultura, da obra-prima, repito, que é um calcanhar. Virei um matemático. Como pode um osso daquele tamanho, sustentar o peso de um corpo de 80, 90 ou mais de 100 quilos? O ângulo mais perfeito que já vi. Harmonioso. Competente. Eu fiquei chocado. De verdade. 

Logo após vieram as mãos. Viradas, com a palma para cima. Só elas. Espetaculares! Impecáveis. Os ligamentos, a forma com que ossos, músculos, artérias, veias e nervos, ligamentos, tendões, pele, se ligam num espaço tão pequeno é comovente. Dignas de lágrimas pela simples possibilidade daquilo acontecer. Aplausos sinceros. 

Confesso que a próxima sala, com os membros inferiores e superiores me causaram dor. A complexidade dos músculos com os cortes precisos nos ossos me assustou um pouco. O joelho e o famoso menisco são mesmo muito delicados. O mecanismo da alavanca no cotovelo também é um caso a parte. Especiais. 

Depois vieram os aparelhos digestivos, os órgãos reprodutivos, aparelho pulmonar, muscular, cérebro, órgãos da face, cada um com uma riqueza de detalhes que valem a pena a intensidade do momento e um pouco de embrulho no estômago. O meu. Mas nenhum outro sistema,  surpreendeu mais que o circulatório. 

Os cientistas conseguiram reproduzir todo o sistema. Todas as ramificações. Das grandes artérias até o minúsculo vaso. Um choque. Temos outro ser dentro de nós. Absurdo. Magnifico! “Aqui tem sangue nas veias!”, diriam as pessoas. E tem mesmo. Muito. Muito mesmo.

Momentaneamente havia me esquecido daquilo. Transportei-me para uma reflexão profunda. Transcendente. Viajei. O que era aquilo que estava vivenciando? Aquele ser vermelho que está dentro da gente, bombeado pelo coração e que me trouxe algo humanamente divino. Fantástico. Divinamente humano. Material e especializado. Para que estamos aqui? Para onde vamos? Grandes e sinceros dilemas da nossa humanidade. Tudo ali. Resquícios da existência humana. Que só nos aparece quando nos corta a carne. Quando toca-nos o coração. Agressivo e extremamente singelo e pacífico. Que loucura!

Chegando ao final, a pele. Ligada ao corpo, rodeando os músculos. Derme, epiderme e não menos estonteantes. Fazendo-nos lembrar o que é a ilusão. O que nossos sistemas sociais, culturais e históricos nos fazem pensar que somos. E que na verdade somos totalmente iguais. Por dentro da máquina. O que o que a gente vê mesmo é a imagem. O reflexo da caverna de Platão. A constatação de que o que temos é quase um elemento mitológico dentro da gente.  Uma construção de algo que é muito mais profundo e inatingível para nós. Que nossa incompreensão é explicita,  mas verdadeira e sofrida. Uma capa. De algo totalmente sagrado. Um templo. É o que temos.

Imaginei os primeiros cientistas, iluministas e até os anteriores pesquisadores, desbravando aqueles corpos. Todo mistério e todo tabu que compreendia aquele templo, o corpo humano. Bandeirantes aventureiros. É o que eles eram. Agradeci pela vida deles. Pela coragem que tiveram. E agradeci pela ciência humana. Por trocarem os “pneus da vida humana, com o carro andando”.  A medicina, a biologia, a química, a física. A psicologia. A nutrição Como são importantes!

Atesto minha inquietude. Perturbei-me. Somos demais! Espetaculares! Que máquina indescritível! E que Criador carinhoso. Indecentemente apaixonado. Preocupado com detalhes invisíveis e totalmente essenciais. À natureza, meu muito obrigado.

"E Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. “E contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom. Sobreveio à tarde e depois a manhã: foi o sexto dia." Gênesis, 1; 27:31

Sobre a Exposição
O HUMAN BODIES – MARAVILHAS DO CORPO HUMANO nos leva para uma jornada fascinante através do nosso bem mais precioso: nossos corpos impressionantes, uma coisa que frequentemente não compreendemos completamente.
Essa exibição é desenhada para mudar isto.
Trata-se de um mergulho tri-dimensional para dentro destes sistemas – pele e ossos, dos pés à cabeça – todos com o objetivo de ajudar as pessoas, a tomar decisões mais informadas sobre os cuidados com a saúde e o estilo de vida.
A mostra internacional foi projetada numa grande estrutura onde estão galerias que levam os visitantes através do corpo humano e corpos completos, em poses confortáveis e familiares, ilustrando os sistemas numa forma dinâmica. Há ainda vários espécimes de órgãos que ajudam os visitantes a investigar e entender mais a fundo as estruturas de cada sistema.
Os corpos foram tratados pela mundialmente conhecida da plastinação, que promove a conservação aos mesmos com textura e coloração permanentes.
Durante todo o percurso são gerados informações de forma prestativa para visitantes de todas as idades.
Muito criativa e informativa, a exposição interessa a todo tipo de público, é uma excelente oportunidade de conhecer os detalhes do nosso corpo.


terça-feira, 9 de julho de 2013

Sobre a morte do MC Daleste. (Adriano Goulart)


Sobre a morte do MC Daleste. (Adriano Goulart)

"Tá lá mais um corpo estendido no chão...." MC o que mesmo? Morreu tomando um tiro enquanto fazia um show de funk. Agora virou notícia. Ficou famoso. 
Tem gente fazendo poesia, dizendo o tanto que o menino era legal. Legal?
Um pobre coitado, como tantos outros que fazem sucesso instantâneo no youtube com sons medíocres, e na outra semana voltam a lavar carros , porque jamais terão oportunidades efetivas de serem o que acham que é bom. Essa é a tragédia. Do dia-a-dia. 

Nós? Uma sociedade hipócrita que valoriza a gozação, a prostituição avulsa e sem sentido das meninas nas letras de funk, a chamada "ostentação" num estilo músical, de gente que nem se quer tem água tratada em casa para beber. "Oi nóis convida porque sabe que elas vem." Essa é a tragédia. 

O menino morreu. Com todo respeito a ele e a sua família e tantos outros, já estavam mortos. Mortos de vida, e vida em abundância. De vida que vale a pena. E não a lástima de futuro com que sonhava ou sonham esses meninos. Uma riqueza vazia e pronta para correr por entre suas mãos. Porque eles nem sabem o que é isso. Vida. Não tiveram e nem tem chances nem sequer de ter isso dignamente.  Essa é a tragégia. 

Pobreza e miséria sempre fizeram parte de suas histórias. Quantos deles terminam o ensino fundamental? Quantos deles tem oportunidade de ir ao médico, a um oftalmologista, a um dentista  ao menos 1 vez ao ano? Quantos deles tem comida na mesa diariamente? Se sobreviverem aos tiros dos traficantes e da polícia na idade que tem, poucos chegarão aos 60, pois não tiveram educação, saúde , segurança e por aí vai. Essa é a tragédia. 

A gente valoriza a morte. A violência. Isso fica claro quando o que sai na mídia é o "tiro e sangue do menino" e não as mazelas que estão ao seu redor. 

A gente valoriza o sexo e prostituição. Quando acha engraçado meninas que não sabem nem falar, e não tiveram mães ou pais que disseram que o ato de mostrar a bunda para aparecer é feio, ao contrário do que elas pensam, ser bonito. 

A gente valoriza a burrice, quando compartilha imagens e textos completamente idiotas e medíocres, só porque tem um sonzinho bacana. Essa é tragédia. 

Tem alguém preocupado ou chocado com a morte desse menino de verdade? Essa é a tragédia. Quem compartilha isso está preocupado em verdade é com sua própria vaidade. Com a chance de atrair para si atenção de seus perfis e textos, através da mesma receita: morte, violência, sexo, dinheiro e burrice. Muita burrice. Essa é tragédia. Amanhã outro morre e quem era mesmo o menino que morreu semana passada?

Diria Renato Russo, "vamos celebrar o horror de tudo isso, com festa, velório e caixão. Está tudo morto e enterrado agora , já que também, podemos celebrar, a estupidez de quem cantou essa canção." 

Morreu.

Adriano Goulart