sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Azaléia, por Adriano Goulart


Azaléia

Ontem eu chorei. Chorei muito. Ontem, anteontem, e os dias atrás também.
Hoje, também ainda choro. Principalmente a noite . No silêncio do travesseiro. E há solidão. E como dói. Daquelas que cortam o peito e desanimam. Profundas e dolorosas. A sensação de que tudo que vivemos foi muito pouco. E foi.
São dois meses. E só agora lhe escrevo. Com as lágrimas tento esvaziar o vazio. Não é redundância. É tentativa. É possível? Não.

Luto.

E ela me amou. Profundamente, como poucos amores acontecem nesse lugar. Um vale de lágrimas, em que uma flor aparece e resplandece com a aparência e verdade do que mais se aproxima do amor de Deus.

Numa ocasião, me defendeu de um grupo de meninos que roubaram de mim a bola. Correu atrás deles como uma leoa defendendo tudo aquilo que tinha. A bola? Não, o filho. Era cedo, 7 anos apenas. Azaléia é a minha heroína. Me protegeu terrenalmente de toda e qualquer ameaça que podia acontecer. Espiritualmente nem se fala. Seria um anjo disfarçado? Era um anjo vivo.

Foi dela o valor maior que carrego hoje em meu coração. O da fé em Deus. Cada oração, cada terço rezado por ela e com ela, ressignificaram meu sentido de esperança nos céus. De alguém que era fiel no Pai Eterno por si só. Uma vida em oblação.

Azaléia tinha um amor especial comigo. Fazia de mim um filho mais filho do que os filhos de fato eram filhos. E eu era neto. Mas correspondi. A minha mãe, Azaléia. Era dela o meu bom dia, a motivação para fazer bonito. Fazer melhor. Era pra ela.

Ela que tinha uma rosto sereno. Que passava batido como a mais tenra e delicada flor e na personalidade era digna de ser comparada com os principais mestres e líderes. Bélicos, políticos, religiosos… gestores.

Era dela que partia todo tipo de ensinamento. Com uma sabedoria absurda. De alguém que conviveu com o passado e fez do presente a mais generosa e consistente história de vida . Azaléia teve uma vida. Terrível e dolorosa. E transformou-a em exemplo e perspectiva para mim. E eu aprendi. Uma vez ela me disse: -”não penso no futuro. Isso é coisa de Deus. Eu só desejo o melhor pra gente”.

Azaléia me buscava na escola. Foi atropelada por causa de mim. Eu era a missão de vida dela. E o Pai me deu a honra dela ser a minha também por um tempo. Cuidou de mim a cada resfriado, dor de cabeça e de barriga. Me dava bicarbonato, mingau, doces e balas. Alegria e perfume. Como era cheirosa minha Azaléia!

Acompanhou com ternura minha juventude. Tínhamos uma sintonia completa. Era minha namorada, minha mãe, minha confidente, meu travesseiro. Era ela. E eu dela.

Eu choro. Porque isso acontece sempre. Mas por ausência dela é novidade. E não é bom.
Queria escrever enquanto há tempo. E meu entendimento e lembrança faz dessa flor a mais linda e inesquecível memória da minha vida. Não sei quanto tempo isso dura. Nem o quanto tempo eu duro. Mas Azaléia foi simplesmente amor puro. Encarnado, convicto e maduro.

Nesse trem da vida, chegou a sua estação. Eu estava logo ali. No assento ao lado. Mas não despediu de mim. Foi de propósito Deus? Se ela tivesse a chance, se tivesse tempo sei que a faria. Num chamado, num olhar. Encostando a testa em mim em silêncio, como fazia quando queria falar algo diretamente ao meu coração. Mas não. Fui dar bom dia e o encantamento já chegara. E se foi.

O vento levou Azaléia para alguns passos a minha frente. Não posso correr atrás. O vento é forte e é ele que nos empurra. Na minha frente tem poeira, já não posso vê-la. Só há terra a frente, onde eu não posso ir. Por enquanto. Que descompasso! Ela que andava sempre segurando a minha mão, em um instante, já nem mais a toca. E agora?

Eu já sabia. Que seria assim. Mas como é difícil! Aquela que me chamava de filho. E era minha mãe. Que me alimentava, me nutria, me fortalecia e me construía. Minha Azaléia.

Desculpe Azaléia. Os últimos dias não foram fáceis. Sou testemunha. Principalmente para uma alma que gostava de viver. Que era jovem e muito forte. Vivia a 94 anos como pétalas de uma bela flor. Bonita, cheirosa e rosa. Saiba que sua dor era a minha dor. A dor da vida. Que caminha e caminha, mas um dia chega no ponto final. E eu chorava escondidinho acompanhando a minha incapacidade de alterar esse rumo.. Mas foi tanto choro escondido que até você percebeu, esperta como era. Eu fiz o que eu podia. Mas foi pouco. E o que eu queria era que mais uma vez, como tantas outras que você dissera para mim, “-é meu filho, dessa eu escapei”. Mas parece que no adiantado da hora, mesmo com o tanto que a provoquei (viva!), o seu cansaço foi mais forte, e o que disse dessa vez foi “ - para o céu agora voltei.”

Uma vez há pouco tempo era dia das mães. E era para minha mãe. Perguntei a Policena: -”o que vou te dar de presente?” Ela respondeu: “- eu já tenho tudo.” Então eu insisti. “-Não, minha mãe tem que ter presente!” E ela: “- Isso Deus já me deu. É você”. Mas já que tanto insiste, me dê a flor que eu mais gosto, Azaléia, que eu já fico contente.”


Adriano Goulart que amará eternamente
Policena de Freitas Goulart (*19/02/1919 - +04/08/2013)