Ontem houve um debate entre os
candidatos a presidente do Brasil para o ano de 2014. Tudo nos conformes. Um
candidato atacando, e dizendo que faria aquilo que o outro não fez, outro se
defendendo e dizendo que fez, e que fará mais, e os outros, vários, falando e
falando da forma peculiar que adquire um político durante as eleições. Tudo
normal. Que alegria!
Hoje nas redes sociais e na internet
como um todo, as impressões do debate foram a tona. “Candidato X foi agressivo!”.
“Candidato Y enrolou demais e não falou nada!”. “O meu candidato foi melhor!”. “O
seu foi pior e fraco!”. Quanto diálogo! Uma praça!
Daí eu me lembrei de quando estudava no curso de comunicação a disciplina de opinião pública. Que
fantástico ver uma teoria da área de psicologia-social ser aplicada na prática,
para uma quantidade tão grande de pessoas. Acredito que no Brasil estamos perto
de 100 milhões de eleitores e isso torna a observação disso ainda mais interessante.
Resumindo de maneira feia, trata-se
do seguinte: os grupos de interesse econômico, social e político já estão
formados e predispostos a se alinhar a uma das correntes. Os critérios dos
membros desses grupos para escolha e participação tem haver com o nível de
acesso ao poder público e benefícios que se obterão caso seu candidato seja
eleito. No entanto esses grupos sozinhos não garantem os votos suficientes para
eleger seus candidatos. Dessa forma, precisam conquistar os votos da maioria
esmagadora da população que não tem vínculos diretos com nenhum grupo
partidário, são indiferentes ao processo eleitoral e vazias de critérios
objetivos que as façam escolher devidamente entre as opções, aqueles candidatos
que possam desenvolver o melhor trabalho.
Assim, estabelecido esse
pressuposto, ambas as correntes partem para buscar os eleitores. Essa população
“alvo” por uma série de razões tende a optar pelo continuísmo. Pelo governo
atual. Porque estão num estagio de comodidade tal, que não há necessidade de
mudar nada. Nem melhorar. A não ser que suas vidas diretamente estejam afetadas
e caóticas do ponto de vista de suas necessidades básicas, e principalmente que
isso seja recente.
Dessa forma, todo um teatro é
organizado de forma que a corrente da oposição, que quer chegar ao poder faz um
esforço enorme para demonizar as ideias e as práticas do governo atual,
tentando buscar uma sensação de caos e incerteza para o futuro, enquanto que a
corrente da situação ignora sumariamente as manifestações e reza para que o
pleito acabe logo, e as críticas não tomem uma proporção que afete o imaginário
indiferente da população alvo e as faça mudar de ideia na hora do voto. Começa
enfim a campanha eleitoral! A verdadeira praça da alegria. E como diverte!
Fica engraçado observar os vários
interesses, explícitos, pessoais, de pessoas esbravejando-se na ágora que é a
internet e também nas ruas. Coitadas, não conseguem discutir efetivamente sobre
assuntos importantes por 15 minutos seguidos durante sua vida toda. Mas seus
brados de indignação e revolta durante esse período eleitoral não duram esse
tempo todo, portanto fica fácil ser “politizado” naquele momento e participar dessa
encenação de alegria ou descontentamento. Quando observamos com uma ótica de
que o ser humano é um ser cênico é mais engraçado ainda. Como é fantástico
tentar imaginar o que está debaixo da máscara de cada um desses atores.
Porém uma análise política
brasileira deveria ser mais séria e complexa. No meu entender ao contrário do
que as estratégias publicitárias dos grupos de interesse procuram dizer, não
temos direitas ou esquerdas fortes por aqui. As diferenças entre identidades
que visam individualidades, concentração do poder e manutenção da propriedade
privada de um lado e os favoráveis a coletividade em detrimento da autonomia ou
uma suposta liberdade do outro, os entendimentos de sociedade democrática e disseminação
de benefícios de maneira igualitária por vezes se misturam e não são fáceis de
perceber claramente nos antagonismos dos personagens.
Não há uma polarização
específica. O que existe são grupos caricatos desses dois lados. Representados por militares raivosos loucos
para que a ditadura volte para poder torturar e coagir pessoas, conforme suas conveniências,
aliados a uma elite econômica que quer a manutenção de seu privilégio
econômico, de preferência submetendo o resto da população as mesmas históricas
humilhações que expõem os contrastes, e que mantém a devida distancia entre os
que têm, e o que não têm. E no seu inverso, grupos radicais de pessoas presas
no tempo de Lenin e Marx, que ainda tem a certeza (falsa e deturpada) de que a
revolução comunista fez bem para a humanidade, aliados a uma turma de “soldados
do caos” que adoram “apagar fogo com gasolina”. Querem desordem e anarquia por
si só. Sem sentido.
E no centro dessa esquerda ou
direita desses grupos estamos nós, meros mortais. Que ora estamos ligados aos
interesses pontuais, ora nem um pouco atentos ao desenrolar histórico. Sem esquecer
dos alienados e indiferentes. Esses vieram só a passeio.
Nesse país os partidos atendem as
ideais momentâneos. Proliferam-se. Aqueles que hoje protagonizam essa suposta
polarização partidária, há menos de 30 anos estavam do mesmo lado lutando
contra uma ditatura. No mesmo palco. E hoje, prós e contra aquilo que se lhes
impunha terror há um tempo atrás (e sinistro), estão juntos e bastante
misturados em seus gabinetes e assessorias com um interesse atual específico. A
continuação de sua carreira política nada saudável. Não há valor por aqui que dure tanto tempo.
Não há concepção clara e coerente. O que há são interesses.
Políticos mudam de partidos na
medida em que suas chances de eleição num novo pleito melhoram ou pioram. Os
ideais? O projeto político? Esquece! Os
grandes caciques políticos perpetuam-se no poder, independente das alianças que
façam. E são eles que garantem o poder. Esse para mim é o que mais a política
brasileira tem de obscura e triste. A perpetuação de grupos políticos tão
antigos e terríveis. Em cada localidade há uma família que domina o poder
político desde o império até hoje. As gerações se alternam-se nos governos. Enquanto
escrevo isso a prova acontece. Um carro de som passa a minha janela divulgando
o nome do candidato a deputado “xxyy Junior”. São Sarneys, Melos, Neves, Malufs, Matarazzos,
Alkmins, Lernes, Cardosos, Silvas, Barbalhos, Magalhães, etc...
O que muda? Nada. O interesse
pelo poder é o mesmo, as articulações são as mesmas sempre no sentido de
beneficiar esses grupos, são eles que ditam as regras e as impõe sobre a
população que os circunda.
No fundo, assimilamos isso e
concordamos. O povo brasileiro é corrupto também e beneficia-se dessa sucessão
descabida, sempre na espera de que seremos os beneficiados da vez. O que nunca
acontece. Uma troca justa? Divulgam-se os candidatos para manter-se no emprego
público, balança-se bandeirinhas coloridas nas esquinas em troca de 20,00 reais
pelo dia. Isso na cidade. No interior do país, morre-se pelos candidatos.
A dinâmica do processo eleitoral
é tão absurda que desenvolve uma estratégia esplêndida de visibilidade dos
candidatos ao executivo, mas paralelamente e não menos importante temos a disputa
por cargos do legislativo, onde a corrupção histórica corre solta. A rotina em
si é imoral e suja. Não são os políticos
que fazem isso. Somos nós. Pois o mantemos nessas esferas de poder. A cada 2
anos por aqui há um processo eleitoral e o que acontece é que nem um terço
desses grupos políticos se renovam. Resultado: as mesmas histórias e a mesma
podridão. Não é irônico? Não.
O programa “Praça da a
legria” foi
uma atração humorística que existiu na TV brasileira desde 1957. Concebido por
Manuel de Nóbrega, que fazia o personagem de um senhor que sentava em uma praça
e dialogava com diversos tipos engraçados. O autor se inspirou durante uma
viagem à Argentina, quando, da janela do seu hotel em Buenos Aires, observava,
diariamente, um homem sentado num banco de praça conversando com diversas
pessoas. Isso o fazia rir. Até hoje, seu filho, Carlos Alberto de Nobrega que
sucedeu seu precursor no programa, diverte as famílias com piadas que de
inocente nada tem, mas que se contextualizam e se moldam na medida em que o
tempo vai passando. O humor é o mesmo, considerado ultrapassado e antigo por muitos,
mas ainda faz as pessoas riem e se identificarem com a mensagem. Porque no
fundo são caricatas como os personagens.
É interessante como a política
brasileira se comporta de maneira parecida. Criticamos de forma agressiva
(sempre durante o processo eleitoral), ora defendemos o candidato tal, ora o
exaltamos, mas ao final o mesmo continuísmo de sempre. Os mesmos grupos de
sempre. Nada muda.
No inicio do programa praça da
alegria, sempre havia uma música de apresentação que fazia o ambiente próximo e
aconchegante. Mas um trecho dela em específico me chama atenção pois é a essência
da ironia, e também da histórica política brasileira:
“A mesma praça, o mesmo banco, as
mesmas flores, o mesmo jardim. Tudo é igual, estou tão triste, porque eu não
tenho, você perto de mim”.