Azaléia
Ontem
eu chorei. Chorei muito. Ontem, anteontem, e os dias atrás também.
Hoje,
também ainda choro. Principalmente a noite . No silêncio do travesseiro. E há
solidão. E como dói. Daquelas que cortam o peito e desanimam. Profundas e
dolorosas. A sensação de que tudo que vivemos foi muito pouco. E foi.
São
dois meses. E só agora lhe escrevo. Com as lágrimas tento esvaziar o vazio. Não
é redundância. É tentativa. É possível? Não.
Luto.
E
ela me amou. Profundamente, como poucos amores acontecem nesse lugar. Um vale
de lágrimas, em que uma flor aparece e resplandece com a aparência e verdade do
que mais se aproxima do amor de Deus.
Numa
ocasião, me defendeu de um grupo de meninos que roubaram de mim a bola. Correu
atrás deles como uma leoa defendendo tudo aquilo que tinha. A bola? Não, o
filho. Era cedo, 7 anos apenas. Azaléia é a minha heroína. Me protegeu
terrenalmente de toda e qualquer ameaça que podia acontecer. Espiritualmente
nem se fala. Seria um anjo disfarçado? Era um anjo vivo.
Foi
dela o valor maior que carrego hoje em meu coração. O da fé em Deus. Cada
oração, cada terço rezado por ela e com ela, ressignificaram meu sentido de
esperança nos céus. De alguém que era fiel no Pai Eterno por si só. Uma vida em
oblação.
Azaléia
tinha um amor especial comigo. Fazia de mim um filho mais filho do que os
filhos de fato eram filhos. E eu era neto. Mas correspondi. A minha mãe,
Azaléia. Era dela o meu bom dia, a motivação para fazer bonito. Fazer melhor.
Era pra ela.
Ela
que tinha uma rosto sereno. Que passava batido como a mais tenra e delicada
flor e na personalidade era digna de ser comparada com os principais mestres e
líderes. Bélicos, políticos, religiosos… gestores.
Era
dela que partia todo tipo de ensinamento. Com uma sabedoria absurda. De alguém
que conviveu com o passado e fez do presente a mais generosa e consistente
história de vida . Azaléia teve uma vida. Terrível e dolorosa. E transformou-a
em exemplo e perspectiva para mim. E eu aprendi. Uma vez ela me disse: -”não
penso no futuro. Isso é coisa de Deus. Eu só desejo o melhor pra gente”.
Azaléia
me buscava na escola. Foi atropelada por causa de mim. Eu era a missão de vida
dela. E o Pai me deu a honra dela ser a minha também por um tempo. Cuidou de
mim a cada resfriado, dor de cabeça e de barriga. Me dava bicarbonato, mingau,
doces e balas. Alegria e perfume. Como era cheirosa minha Azaléia!
Acompanhou
com ternura minha juventude. Tínhamos uma sintonia completa. Era minha
namorada, minha mãe, minha confidente, meu travesseiro. Era ela. E eu dela.
Eu
choro. Porque isso acontece sempre. Mas por ausência dela é novidade. E não é
bom.
Queria
escrever enquanto há tempo. E meu entendimento e lembrança faz dessa flor a
mais linda e inesquecível memória da minha vida. Não sei quanto tempo isso
dura. Nem o quanto tempo eu duro. Mas Azaléia foi simplesmente amor puro. Encarnado,
convicto e maduro.
Nesse
trem da vida, chegou a sua estação. Eu estava logo ali. No assento ao lado. Mas
não despediu de mim. Foi de propósito Deus? Se ela tivesse a chance, se tivesse
tempo sei que a faria. Num chamado, num olhar. Encostando a testa em mim em
silêncio, como fazia quando queria falar algo diretamente ao meu coração. Mas
não. Fui dar bom dia e o encantamento já chegara. E se foi.
O
vento levou Azaléia para alguns passos a minha frente. Não posso correr atrás.
O vento é forte e é ele que nos empurra. Na minha frente tem poeira, já não
posso vê-la. Só há terra a frente, onde eu não posso ir. Por enquanto. Que
descompasso! Ela que andava sempre segurando a minha mão, em um instante, já
nem mais a toca. E agora?
Eu
já sabia. Que seria assim. Mas como é difícil! Aquela que me chamava de filho.
E era minha mãe. Que me alimentava, me nutria, me fortalecia e me construía.
Minha Azaléia.
Desculpe
Azaléia. Os últimos dias não foram fáceis. Sou testemunha. Principalmente para
uma alma que gostava de viver. Que era jovem e muito forte. Vivia a 94 anos
como pétalas de uma bela flor. Bonita, cheirosa e rosa. Saiba que sua dor era a
minha dor. A dor da vida. Que caminha e caminha, mas um dia chega no ponto
final. E eu chorava escondidinho acompanhando a minha incapacidade de alterar
esse rumo.. Mas foi tanto choro escondido que até você percebeu, esperta como
era. Eu fiz o que eu podia. Mas foi pouco. E o que eu queria era que mais uma
vez, como tantas outras que você dissera para mim, “-é meu filho, dessa eu
escapei”. Mas parece que no adiantado da hora, mesmo com o tanto que a
provoquei (viva!), o seu cansaço foi mais forte, e o que disse dessa vez foi “
- para o céu agora voltei.”
Uma
vez há pouco tempo era dia das mães. E era para minha mãe. Perguntei a
Policena: -”o que vou te dar de presente?” Ela respondeu: “- eu já tenho tudo.”
Então eu insisti. “-Não, minha mãe tem que ter presente!” E ela: “- Isso Deus
já me deu. É você”. Mas já que tanto insiste, me dê a flor que eu mais gosto,
Azaléia, que eu já fico contente.”
Adriano
Goulart que amará eternamente
Policena
de Freitas Goulart (*19/02/1919 - +04/08/2013)