sexta-feira, 13 de maio de 2016

E seu soubesse do amanhã... Por Adriano Goulart -

E se eu soubesse do amanhã… Por Adriano Goulart.

Não sabemos muita coisa. De onde viemos.. para onde vamos.... Isso é fato. Nossa caminhada é sempre incerta, inconstante e improvável. A maioria de nossos passos são dados no escuro. Escuro total. E na prática, o que temos somos uns aos outros. E a lembrança da caminhada que alguém já fez. Celebrar o outro é o que nos torna vivos.


 E se eu soubesse do amanhã? Se conhecesse os caminhos, as dificuldades, o propósito que tem as coisas. Se eu soubesse dos problemas, daquilo que há de vir. Das doenças estranhas, dos medos aterrorizantes. De cada pecado cometido. De cada erro sem conserto. E se eu me antecipasse. 


Se pudesse ir à frente. A minha frente. Dar uma espiadinha. E ver o quão interessante está o futuro. Ou não. Se eu compreendesse cada momento que chegará. Cada guinada que a vida dá. E se percebesse quando a linha da vida vai virar. Deixar de existir. Saber exatamente o ponto que as coisas pioram ou melhoram. Se eu tivesse um espelho ao contrário, que ao invés de ver o que está atrás, eu conseguisse ver o que está a um passo adiante. Um metro depois do agora, um quilômetro, uma eternidade… 

 O que eu faria com isso se tivesse esse dom? Qual seria meu comportamento? Minha condição de oráculo do meu próprio destino? Uma internet de mim mesmo. Um buscador de mil palavras que ainda serão pronunciadas. Num fechar dos olhos pudesse contemplar as pedras que eu ei de pisar. Tropeços, sustos, decepções, dores e alegrias também, por quê não? “Se prepare para o pior, torça pelo melhor e receba o que vier”. Já ouvi isso muitas vezes. E também falo de vez em quando isso. 

Sou um alguém comum e bobo, e que reflete o mistério temporal, consciente dessa dimensão de limitação que temos. Que se apega em sabedorias populares, outras científicas e acadêmicas, na referência Cristã, no que vovó falou e o que fui vendo até hoje para viver … E sobreviver. E nessa condição humana, de sensível ao que vem, se transforma quando interage com o novo. Quando o futuro chega. 

 Mas alguns “presentes-futuro” que chegam e se estabelecem, seja no sentido temporal, quanto no de dádiva, são tão bons, tão importantes, que a gente tem que registrar. Eu mudei quando o Lírio chegou. O meu presente precioso. O meu Pedro. O Meu futuro. Agora sou o pai dele. E serei enquanto meu sentido precisar de mim, e meu encantamento me manter por aqui. É dele o meu olhar para o futuro. Independente o que vier pela frente. 

 Ele, o Presente, agora aperfeiçoa as primeiras palavras que aprende dia a dia. E cada nova palavra é uma descoberta cheia de neologismos que nem Guimarães Rosa daria conta. Experimenta frases, tenta conjugar verbos repetindo o que ouve das pessoas, dá gargalhadas tentando falar “pa ra le le pí pe do”. E como é divertido aprender com ele. 

 Agora canta sem parar, valorizando alguns trechos que mais gosta, reinventando o som, a letra, a melodia. E isso é música para os meus ouvidos. “-Já passou .. a CHHUUUVA… o sol já vem … SUZINU… e a dona aranha continua “SUBINU”... Ela é teimosa e “desobeDIEEENTE”... sobe, sobe, sobe… desce, desce desce…” 

 Agora me chama para ler com ele. … quer dizer, institui o horário do Pedro. Que é há qualquer momento. Quando dá na telha. Dele. O folgadinho chega trazendo um livro e diz: -“vem papai, lê o livro!”. … E me ganha na hora. Após a estória, continua: -”agora neném lê”. E eu fico olhando. O leio. A linda estória materializada em minha frente. Que se auto proclama “Neném é Pedro Goouuuulart”. 

 Ele, o Lírio, nosso Anjo, também nos emociona. A mim e a mamãe de noite, quando vamos dormir. Todos os dias, juntos, de mãos dadas agradecemos a Deus o presente que foi dado a nós. E confiamos ao Pai celeste o sucesso da missão que nos foi dada. De guiar nessa terra os passos iniciais do nosso Pedro. Mas de repente, não mais que de repente, numa dessas noites em que as estrelas brilham diferente, já em clima de oração, nosso Presente toma a palavra … -”neném faze oração”...”agora o Pedro”... fecha os olhos (como se soubesse olhar em nossas almas)… e diz: “Papai do céu… boa noite. brigado pelo dia...bençoa papai, bençoa mamãe… amém.” E nós, reles papai e mamãe, agora em prantos pela surpresa, testemunhamos a primeira oração do nosso anjinho particular, numa intimidade total com o que transcende, dedicando sua atenção, falando de nós e para nós com menos de 2 aninhos de caminhada na terra. Mal sabe ele que a simples presença dele já é nossa oração realizada. O sinal do próprio Deus em nossas vidas. 

 O Menino agora toca em tudo. Corre sem parar. Acelerado, inusitado, imprudente. E nos deixa de cabelo em pé. Esconde atrás da cortina e num piscar de olhos puxa a cadeira, sobe nela e tenta pegar o biscoito em cima da mesa, como se fosse uma escada. Quer “petar a pampainha”, “petar botão”, “pagar e cender a luze”. Fala “não!”, “tá ruuuuim” e “Pode não” com uma clareza maior que muita gente adulta. O neném agora rapazinho faz xixi no peniquinho, quer ir no vazo, dar descarga e dizer “Tchau cocô… vai com Deus!” , o que horrorizaria a vovó dele, mas a mim, alimenta a alma. Chora em 100 decibéis para cortar cabelo mas, para na hora se houver um pirulito por perto. E conta até piada. Pede para ir ver a “Julia”, o “Guiiilheeeerme”, a “Sarinha”, o “Tutu”... E também a “Barballa”, “o Dudu”... e a “Aaana”. Chega na casa da vovó e grita “Ei Ti Dada!, ei Yago!, ei Zezé! … “Bença”.. 

A criança que me faz viver, me modificou. Faz dois anos. O presente brilha aos meus olhos e eu caminho ao lado dela felizmente. De mãos dadas como eu tanto queria. E isso é bom. Isso é muito bom! Gostaria que todos tivessem a oportunidade de ver com meus olhos transformados. De pai. Verdes não pela cor, mas pela esperança. E a convicção de que o futuro é bom. Por ele estar aqui. 

Meu desafio agora é interpretar o tempo. O inverno que chega e a primavera que logo sucede. Observar atentamente o que há de vir. Estar sempre um passo a frente dele enquanto eu puder, para avisá-lo de que há pedras no seguir. Que vão machucar, mas que vale a pena passar por elas. É isso que eu vou fazer. 

 E se eu soubesse do amanhã? eu diria: que venha, porque o Senhor é bom e carinhoso comigo. Ele me deu o Pedro para caminharmos juntos. E por isso um obrigado será recitado a cada passo dado com ele. Como faço hoje. 

 Por fim, Pedro, no início eu o ajudo a caminhar e depois, estaremos lado a lado até que um dia eu o olhe lá na frente… bem na frente e o veja. E onde quer que eu esteja diga: olha lá como é lindo o meu amanhã. Hoje, contemplo-te vida, os passos dados e o amor. Pois onde isso existe, o presente já me basta. É meu bebê que cresce. 

 Ao Pedro, com carinho. 
 Adriano Goulart. 
13 de maio de 2016.