segunda-feira, 16 de março de 2009

O BIBLIOTECÁRIO E A ERA DO CONHECIMENTO


Artigo que saiu ontem na Folha de S. Paulo, no Caderno Brasil, pag. A3.
É uma reflexão muito interessante e muito realista também.


O bibliotecário e a era do conhecimento


As civilizações têm como marco inicial a palavra escrita, testemunho mais
eloquente de qualquer cultura. Na Antiguidade, bibliotecas foram símbolo
do prestígio das cidades que as abrigavam. Zelar por elas era tarefa das
mais importantes, atribuída a um segmento nobiliárquico competente.

Ainda não se distinguiam os papéis do escriba e os do bibliotecário, como
os entendemos hoje, mas o fato é que esses profissionais gozavam de
prestígio e respondiam diretamente ao soberano.

A partir da invenção da prensa móvel por Gutenberg, aumenta o número de
exemplares por livro e surgem os jornais, os fascículos, as revistas.
Logo, as bibliotecas demandaram profissionais especializados, na moderna< br />figura do bibliotecário -que desenvolveram sistemas mais eficazes de
catalogação, disposição, conservação etc.

No Brasil, esse marco foi estabelecido pelo engenheiro, bibliotecário,
escritor e poeta Manuel Bastos Tigre. A importância de sua contribuição é
reconhecida também pela legislação, que apontou a data de seu nascimento
-12 de março- como o Dia do Bibliotecário no Brasil.

Em 1906, Bastos Tigre viajou para os Estados Unidos, onde conheceu Melvil
Dewey, que já havia instituído o sistema de classificação decimal. A
partir de 1945, trabalhou na Biblioteca Nacional e, depois, assumiu a
direção da Biblioteca Central da Universidade do Brasil.

Fiéis ao espírito pioneiro de seu patrono e aos inúmeros serviços que
prestou ao país e ao livro, bibliotecários brasileiros clamam pelo
reconhecimento social que, todavia, ainda não lhes faz justiça plena. De
fato, pr edomina, entre nós, muito amadorismo na questão. Enquanto o
bibliotecário é visto como luxo dispensável, não raro outros profissionais
são chamados para quebrar o galho, comprometendo a conservação de acervos
importantes, sua disposição racional e sua acessibilidade.

Nas escolas a situação é de calamidade pública. Muitas nem sequer possuem
bibliotecas. Não raro, é algum professor que se encarrega de organizar o
acervo. Em outras, os livros se atulham sob escadas, corredores ou salas
inadequadas. O impacto é extremamente negativo na formação dos alunos. Na
idade em que a leitura precisa ser valorizada para que seu hábito se
cristalize, o estudante vê livros tratados como entulho. Nada o convencerá
mais tarde do contrário: o livro permanecerá entulho, e sua leitura, um
ato despido de sentido.

Quanto ao ensino superior, as informações não são melhores. Boa parte dos
grandes complexos educacionais privados costuma adquirir muitos livros.
Mas, quantos? Uma centena de exemplares pode impressionar o leigo, mas
está longe da suficiência se o número de alunos por curso passa da casa do
milhar. Se isso é válido para uma política hipócrita em relação ao livro,
imaginemos as proporções bibliotecário/usuário nessas instituições. Seu
número é quase sempre insuficiente, como são precárias suas condições de
trabalho.

No momento em que governo e sociedade no Brasil se dão conta de nossos
vergonhosos níveis de leitura e se mobilizam para superá-los por meio de
programas de incentivo, não é mais possível aceitarmos esses descalabros.
É o momento de convocar o bibliotecário para -ao lado do educador, do
escritor, do editor e de outros- traçar os rumos de uma política eficaz e
duradoura para os livros e para as bibliotecas.

Entre os novos desafios, o maio r vem da tecnologia da informação, que
cresce exponencialmente. Ajudar o pesquisador, o profissional e o cidadão
a pinçar, entre uma infinidade de informações, aquelas que realmente lhe
interessam e que são confiáveis é apenas a ponta do iceberg. De fato, a
possibilidade de acesso mais democrático à informação, à literatura e à
cultura em geral não permitirá que o bibliotecário se aliene em relação a
desafios que trazem em seu bojo a histórica oportunidade de aliança entre
cultura e consciência crítica, entre informação e emancipação.

Inicialmente, ele terá de interagir em equipes multidisciplinares, em
processos de mútuo aprendizado. Aos poucos, sua formação específica haverá
de impor-se como peça-chave de funções socialmente tão relevantes. O
bibliotecário se mostrará, assim, indispensável. Quando isso ocorrer, a
forma como esse profissional for tratado por empregador es de quaisquer
tipos, pela sociedade e pelo legislador representará indicador do grau de
civilização que poderemos projetar para nós mesmos.

Autores: VERA LUCIA STEFANOV, 56, bibliotecária documentalista, é
presidente do SinBiesp (Sindicato dos Bibliotecários do Estado de São
Paulo).

LEVI BUCALEM FERRARI, 63, cientista político, é presidente da UBE (União
Brasileira de Escritores). Publicado em Debates do jornal Folha de
S.Paulo.

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